sexta-feira, 6 de maio de 2011

O mês de novembro pega fogo no Rio de Janeiro!

Exatamente entre os dias dez e dezoito de Novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu uma das mais turbulentas e terríveis revoltas populares da república.

Dia 09 de Novembro de 1904: O jornal "Carioca" publicou o projeto de lei proposto por Oswaldo Cruz, que obrigava a população a se vacinar, meio a um autoritarismo. Começa a indignação popular.


Dia 10 de Novembro de 1904: O povo em meio a São Francisco gritava contra essa lei. A Rua Ouvidor, trajeto dos revoltosos, ficou completamente intransitável. Estouraram protestos na capital, com piquetes e depredações. Operários, militares e comerciantes aderiram às manifestações estudantis.


Dia 12 de Novembro de 1904: As manifestações cresceram consideravelmente. A passeata dirigia-se ao Palácio do Catete, sede do governo federal, onde a cavalaria militar for recebida a pedradas e a pauladas, retiradas da construção de avenida central. A população estava alarmada, mas apesar de seus líderes não terem comparecido, os pensamentos guerrilheiros e revolucionários de seus participantes se mantiveram. Na volta pela Lapa, há novos confrontos, tiroteios incessantes, e morre o primeiro popular.


Dia 13 de Novembro de 1904: O centro do Rio de Janeiro transforma-se em campo de batalha. Era a rejeição popular à vacina contra varíola, que ficou conhecida como REVOLTA DA VACINA. Exaltada, a multidão deprede bondes e trilhos na avenida.


"Tiros, gritaria, engarrafamento de trânsito, comércio fechado, transporte público assaltado e queimado, lampiões quebrados à pedradas, destruição de fachadas dos edifícios públicos e privados, árvores derrubadas: o povo do Rio de Janeiro se revolta contra o projeto de vacinação obrigatório proposto pelo sanitarista Oswaldo Cruz" (Gazeta de Notícias, 13 de novembro de 1904).
Dia 14 de Novembro de 1904: O golpe de estado contra o presidente Rodrigues Alves, aplicado pelos Catetes da escola militar da praia vermelha, não foi bem sucedido, os militares de baixa patente também se sublevaram contra as medidas baixadas pelo governo federal. O governo reforça a segurança do palácio, entretanto o presidente não concorda com a ideia de se refugiar em um navio da Marinha, dificultando  a jornada dos marinheiros e facilitando a perseguição da multidão. O Encouraçado Deodoro bombardeou a escola militar, provocando o seu rendimento e colocando o golpe “ as águas”.
Dia 19 de Novembro de 1904: Acontece o último conflito, na pedreira do Catete, que conta com um saldo de 110 feridos, 30 mortos e mais de 900 pessoas presas, das quais 500 foram deportadas; dentre estes , o chefe do departamento de policia . Por fim, a cidade tenta voltar ao seu normal.

O Compadre Brandão

É com saudade que divido esta carta com vocês. Escrita por meu estimado bisavô na época desta revolta urbana sem precedentes, este documento relata a ânsia da Nação Brasileira em ser dona do próprio destino, para assim torná-lo um tanto menos miserável que a podridão daquele século. Ainda vigente, sua opinião está em perfeita consonância com a minha, a de uma garota curiosa de outra época, época esta que possui novos tempos e velhas problemáticas, velhos abusos, velhas elucidações. Que os senhores possam lê-la com carinho e deixar que as sábias palavras de meu ancestral toquem os seus corações.


Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1904

Caro Fernandes,

   O governo nos abandonou de vez. É certo que no último mês o sanitarista alardeou intenção boa, mas é inaceitável o horror que nos assola desde que esta terra ganhou um dono. Nunca houve um momento em que nossa pátria teve o devido manejo; não escolheu seu nome, não pintou sua bandeira, não planejou seu destino. Fica apenas à amarga deriva dos governantes vorazes que insistem em surgir.
   Primeiro os portugueses, sugando de nossas veias nosso ouro, nossa madeira, nossa gente, nossa riqueza. Estes se delongaram por ainda mais dois Impérios, e, quando os julgávamos finalmente expulsos, acomete-nos a ascensão de militares de pulso de ferro, um em seguida do outro! Vem Deodoro e seu surto ditatorial, assume ilegalmente Floriano, o Consolidador da República com que sempre sonhamos em nossos mais íntimos devaneios, distribuindo ataques à expressão do povo, calado diante dos fuzis.
   Mas os militares se retiram da presidência dando lugar aos civis. E somente a eles. Civis! Pois a civilização, segundo olhares desses oligárquicos que se alternam na deplorável ciranda do café e do leite, se resume aos centros distantes de Paris, Londres, Washington. Se constitui por homens de bigode e pança cheia, mulheres de saias inglesas e livros naturalistas, lavouras de arbustos tropicais e colheitas infladas, e tudo isso nas costas do povo, este composto por nós e por todos os desprezados, todos os companheiros de luta, de pele escurecida ou esbranquiçada que sob o mesmo sol tanto sofrem.
   E somos nós, estes entes selvagens e inferiores, que devemos dar lugar às avenidas alargadas, às luas elétricas, às conduções sobre trilhos, ao avanço tecnológico, ao futuro, à beleza! Somos nós, a legião brasileira, fonte da força e da sustentação, homens e mulheres empilhados sobre cortiços e casebres sem dono, os despojados em favelas, os derrotados sob o pretexto da inexistência de documentos! Nós constituímos ameaça ao delicado ensejo paulista de embelezamento da capital, nós devemos ser excomungados de nossa cidade que “civiliza-se”!
   E esse absurdo toma proporções inimagináveis, meu amigo, inimagináveis. Isso é a plena manifestação da podridão que consome a instituição dita pública. Isso são os planos de desenvolvimento, de industrialização, de investimento, de progresso, sob a cruel visão positivista, sob a instaurada ditadura do coronel, sob a perspectiva dos barões eleitos pelo analfabetismo!
   Fernandes, a resignação não mais nos é alternativa: É imprescindível agir. Minhas entranhas se encolhem mediante tamanho abandono, tamanha miséria, tamanho descaso. Ontem foram os índios, os sertanejos, os conjurados que figuraram nas miras da guarda nacional, e hoje somos nós, os cariocas menos privilegiados, os alvos do poder legislativo; quem nos garante que não o seremos das forças armadas?
   E, igualmente, quem nos assegura que é mesmo uma substância benéfica, essa que os agentes sanitários nos ofereceram? Não lhe parece motivo de suspeita que, mediante nossas recusas em abrir as portas – agora tábuas de madeira erguidas pelo Bota Abaixo -, levantar as saias e despir o braço, o sanitarista possa se valer da medida obrigatória que tramita no Congresso para perpetuar as internações, vacinações? Não lhe parece coerente que os perversos governadores, em suas políticas maquiavélicas, tenham se feito valer de tão poderoso instrumento legal para erradicar de vez não só a selvageria endêmica dos microrganismos como a do povo que polui a santíssima imagem da capital?
   Nunca poderemos nos certificar sobre as respostas, Fernandes. Jamais. Nem desenvolveremos condições de nos informarmos da realidade de Canudos, que remanesce em boatos, lorotas, indícios. O governo nos esconde tudo, nos revela apenas sua imaginação bastante útil em inventar versões e justificativas, em adotar ideologias distantes e planos irracionais. Nunca soubemos da verdade, e dela nunca teremos notícia. Somos apenas massa, massa manobrada por esses poderosos de sorriso amarelado, que se comprazem em perpetuar o coronelismo e enviar seus filhos à distante Europa metropolitana. E é como massa que atuaremos se nos conformarmos com essa realidade hostil, outorgada sobre nosso cotidiano por Rodrigues Alves, Pereira Passos, por todos os seus antecessores e, caso nos retraiamos com medo, por todos os seus sucessores.
   Clame à vizinhança, Fernandes, que esta se una a todas as demais, e que as favelas desçam de seus morros e tomem de volta aquilo que é de seu direito. Insufle no coração recriminado do povo o sentimento de coragem, coragem de reivindicar a cidade que nós construímos durante gerações. Some sua força à de nossa comunidade, composta de opositores, integrantes do povo que tem fome e sede de justiça, de modo que utilizemos essa inaceitável leva de operações como estopim à revolta que modificará, sem precedentes, o destino de nossa nação, pela primeira vez determinado por aqueles que verdadeiramente a constituem.

   Respeitosa e calorosamente,













Referências:
http://scienceblogs.com.br/rainha/2009/06/variola_uma_das_maiores_pandem.php

A Obrigatoriedade garantida por Lei

Pessoal, mais um jornal da época. Mais revoltas por conta da aplicação obrigatória da vacina. Algumas mulheres precisavam tomar a vacina na coxa ou na virilha, assim elas corriam o risco de ser assediadas, o que fez muitas pessoas se rebelarem. Além disso, a vacina era aplicada a força o que fere gravemente o direito das pessoas de escolher o que é melhor pra elas.
Além disso, a população não queria de jeito nenhum tomar as vacinas, pois a falta de campanhas para conscientização acerca da questão foi um erro que acentuou a revolta. E com razão, já que a maioria das pessoas eram analfabetas e não sabiam o que era, nem mesmo, uma vacina.
O lema das autoridades sanitárias era: "Se não vacinar, morre!". Em contrapartida, o da população ameaçava as autoridades: "Se vacinar, mato!". Esses lemas apenas reforçam a rejeição da população com relação às vacinas.


A Notícia 

Lei da Vacina Obrigatória
 Rio de Janeiro, 09 de novembro de 1904

Foi regulamentada hoje a lei nº 1.261 que determina a vacina contra a Varíola obrigatória. Todos deverão tomar a vacina sem restrição. Além disso, veneno será pulverizado nas ruas para que o mosquito transmissor das doenças que assolam o Rio de Janeiro e todo o país morram. E limpezas serão realizadas em todas as casas para que ratos e mosquitos contaminados não venham a desencadear uma grande epidemia.
 Vírus da VaríolaOswaldo Cruz recrutou mais de 1.500 pessoas para o combate ao mosquito vetor da febre-amarela.
As chamadas “Brigadas Mata-Mosquito” serão formadas por funcionários do Serviço Sanitário. Eles adentrarão, caso necessário,as casas e vacinarão as pessoas, além de exterminarem mosquitos e ratos.
Para esclarecer:
• A vacina é produzida com o vírus atenuado ou morto. Este produto é injetado em pequena quantidade no paciente.O corpo reage ao vírus, e vai criando novos anticorpos adaptados ao vírus e quando a doença chega , determinada a atacar , o corpo já tem sua defesa.
• A vacina deve ser aplicada em regiões de músculos mais resistentes como a coxa, braço, entre outros.


A Lei

Lei nº 1.261, de 31 de Outubro de 1904
Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a lei seguinte:

Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.
Art. 2º Fica o Governo autorizado a regulamental-a sob as seguintes bases:
a) A vaccinação será praticada até o sexto mez de idade, excepto nos casos provados de molestia, em que poderá ser feita mais tarde;
b) A revaccinação terá logar sete annos após a vaccinação e será repetida por septennios;
c) As pessoas que tiverem mais de seis mezes de idade serão vaccinadas, excepto si provarem de modo cabal terem soffrido esta operação com proveito dentro dos ultimos seis annos;
d) Todos os officiaes e soldados das classes armadas da Republica deverão ser vaccinados e revaccinados, ficando os commandantes responsaveis pelo cumprimento desta;
e) O Governo lançara mão, afim de que sejam fielmente cumpridas as disposições desta lei, da medida estabelecida na primeira parte da lettra f do § 3º do art. 1º do decreto n. 1151, de 5 de janeiro de 1904;
f) Todos os serviços que se relacionem com a presente lei serão postos em pratica no Districto Federal e fiscalizados pelo Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, por intermedio da Directoria Geral de Saude Publica.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904, 16º da Republica.
FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
J. J. Seabra.




Fontes:
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-1261-31-outubro-1904-584180-publicacaooriginal-106938-pl.html
http://www.projetomemoria.art.br/OswaldoCruz/biografia/03_instituto.html
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/revolta-da-vacina/revolta-da-vacina-6.php

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Oswaldo Cruz

       Olá gente, também encontrei esse artigo de jornal que fala um pouco sobre a vida de Oswaldo Cruz, um dos principais responsáveis pela lei que indignou a população do Rio de Janeiro ao ponto de iniciar a revolta. Ele realmente não pensou que seu plano tinha grandes chances de dar errado?


31 de Outubro de 1904

APÓS SUGESTÃO DE OSWALDO CRUZ, RODRIGUES ALVES DECRETA A LEI DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA


Oswaldo Cruz, atual diretor da saúde pública do Rio de Janeiro, afirma que a vacinação obrigatória é a única solução para as epidemias que têm acabado com a vida de muitos brasileiros.
Em meio a tantos problemas políticos e sociais pelos quais o Brasil tem passado, Oswaldo Cruz, médico e doutor em microbiologia, tem sido destaque no combate às principais epidemias que atingem os brasileiros. Nasceu em 5 de agosto de 1872 em São Luís do Paraitinga (SP), formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e acaba de retornar do renomado Instituto Pasteur, em Paris, onde estagiou como bacteriologista por três anos. Ao retornar à sua terra natal, foi designado pela Diretoria Geral da Saúde Pública para investigar casos suspeitos de peste bubônica em Santos, onde adotou a medida de caçar e comprar ratos (agentes transmissores dessa doença). Descobriu que a única solução para controlar a epidemia era um soro não produzido no Brasil, fator determinante para a criação do Instituto Soroterápico em São Paulo e no Rio de Janeiro, o qual é direcionado para a pesquisa e desenvolvimento de vacinas.
Oswaldo Cruz é presidente do Instituto Soroterápico do Rio de Janeiro e, no ano passado, Rodrigues Alves também o convocou para o cargo de diretor geral da saúde pública e o designou para solucionar os problemas da saúde pública carioca, ou seja, acabar com as epidemias e pestes.
No entanto, Oswaldo Cruz tem tomado algumas atitudes não condizentes com seu histórico. Primeiramente, brigadas sanitárias têm jogado veneno por toda a cidade, segundo as orientações do médico sanitarista que se dizia tão preocupado com a saúde pública. Entretanto, esse veneno direcionado para matar mosquitos transmissores da febre amarela pode causar doenças respiratórias na população.
Como se não bastasse, Oswaldo Cruz estimulou o presidente, Rodrigues Alves, a obrigar a população a se vacinar contra a varíola. Mas isso, logicamente deixou a população perplexa, pois a ideia de enfiar um vírus  à força no corpo, por meio de uma agulha, é realmente amedrontadora e constrangedora quando essa vacina é aplicada em baixo da saia de moças de família civilizadas.




Bibliografia:
http://www.infoescola.com/biografias/oswaldo-cruz/  http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/osvaldo-cruz/osvaldo-cruz-1.php

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O elitismo do Bota Abaixo

         Oi, é a Laura de novo. No mesmo jornal da postagem passada, o "Tribuna Carioca", encontrei um outro artigo interessante. É do início de 1904, época em que a reforma urbanística de Pereira Passos estava a pleno vapor. Achei um absurdo como as classes baixas foram abertamente as mais discriminadas e prejudicadas no processo! A matéria também evidencia como o Bota Abaixo está fortemente relacionado à atual favelização do Rio de Janeiro e às péssimas condições de infraestrutura a que uma grande porção dos cariocas está submetida. Vale a pena conferir!



Rio de Janeiro, 11 de Fevereiro de 1904

    População sofre as consequências do mal planejamento de Pereira Passos

    Milhares de habitantes do centro do Rio de Janeiro são expulsos de suas moradias pelo próprio governo que diz zelar pelos seus interesses

    Já passam de dois mil os civis obrigados a abandonar suas moradias para abrir mão à suposta modernização do Rio de Janeiro. O projeto, popularmente denominado Bota Abaixo, foi estabelecido pela carta Cadastral do Distrito, plano urbanístico aprovado em abril do ano passado pelo prefeito Pereira Passos, e deve permanecer em andamento pelo decorrer deste ano. Conforme suas determinações, cerca de quatrocentos edifícios antigos do centro foram demolidos; ao que tudo indica, isso é apenas uma fração do que está por vir.

    O plano teve início há dois anos, quando Rodrigues Alves assumiu a presidência e, a fim de aliviar a crise econômica e social pela qual o país passava, prometeu trazer o Brasil para o novo século. Suas principais propostas eram a higienização, a modernização e o embelezamento da capital. Para isso, buscou inspiração na reforma urbana de Paris, executada no final do século XIX pelo Barão Haussmann, marcada pela substituição dos bairros operários por parques e largas avenidas. Como o engenheiro Pereira Passos já havia morado em Paris e a reforma de Haussmann lhe era familiar, o presidente nomeou-o como prefeito do Rio de Janeiro e encarregou-o de liderar a reforma pela qual a cidade passa. 

    Entretanto, a logística simplista de Pereira Passos desconsidera que a área afetada pelo projeto conta- ou, até pouco, contava- com milhares de habitantes, todos os quais teriam que ser desalojados para dar lugar a avenidas, praças, jardins e mesmo um teatro. Tudo sob os padrões franceses, para agradar os comerciantes estrangeiros e melhorar a vista da Baía da Guanabara, enquanto a população carioca é abandonada ao relento pelos seus próprios governantes. É o caso dos moradores dos Arcos da Lapa, do Morro do Senado e do Largo de São Domingos, dentre outras localidades, que foram e estão sendo ainda despoticamente expulsos de suas moradias, sem receberem isenção ou auxílio algum.
   
    Ao passo em que o prefeito  se preocupa com a estética da cidade e com a opinião estrangeira a seu respeito, uma parcela significativa da população do Rio de Janeiro é colocada numa posição cada vez mais crítica. Se, antes do Bota Abaixo, habitantes do centro já enfrentavam desemprego, fome e péssimas condições de higiene e saúde, ao menos possuíam acesso a moradia, encontrada na forma de cortiços. A demolição destes por autoridades do governo e o descaso com seus habitantes está obrigando centenas de famílias a buscarem refúgio nos morros, como animais,  onde constroem casebres e vivem em condições ainda mais insalubres. A higienização tão prometida por Pereira Passos será, dessa forma, benefício exclusivo das classes abastadas, como tantos outros concedidos pelo governo brasileiro.

Fontes:
http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_21/revoltavacina.html
http://www.super.abril.com.br/superarquivo/1994/conteudo_114370.shtml
http://www.cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252003000100032&script=sci_arttext&tlng=p
http://www.historia.abril.com.br/comportamento/conteudo_353438.shtml

Rio de Janeiro: uma selva de doenças

Então gente, eu achei um jornal que criticava as péssimas condições da capital carioca no começo do século XIX. Tive que reproduzir todo o artigo, mas valeu a pena! É de um jornal chamado "Tribuna Carioca", sua data é de 30 de janeiro de 1903, quando Rodrigues Alves já tinha assumido como presidente do Brasil e Pereira Passo, como prefeito do Rio de Janeiro. A foto também é do jornal e ilustra a cidade à época do artigo. Espero que gostem e que consigam perceber o absurdo de doenças que tomavam conta do Rio.

O DESAFIO DO PRESIDENTE RODRIGUES ALVES
Não debalde, o Rio de Janeiro é conhecido como “túmulo de imigrantes”. Sua tradicional ausência de planejamento se associa perigosamente ao descaso do governo, condenando a cidade às famigeradas infestações de doenças.
A modernização da capital nunca constou na planilha do Governo Central. O Estado assumiu o papel de mero apêndice da produção cafeeira e abandonou a sociedade à precariedade. Por conseguinte, a população urbana cresceu sem desenvolvimento correspondente da infra-estrutura. Os cortiços e as favelas se acumularam sobre os dejetos dos próprios trabalhadores. É desnecessário, portanto, apontar a quantidade de doenças que proliferam tão facilmente pelas periferias cariocas. Ratos soltos propagam a peste, enquanto a tifo, a cólera e a varíola consomem os pobres, que clamam, há muito tempo, por uma reforma sanitária.
                Como se não bastasse, em sua ânsia por agradar estrangeiros, o Estado propiciou ao povo mais uma patologia. Foi, pois, junto a navios norte-americanos que a febre amarela desembarcou no território brasileiro, onde encontrou ambiente propício para sua disseminação. Apenas no ano passado, ela já acometeu 987 civis de camadas mais baixas da sociedade carioca.
Tal quadro desesperador não é recente. Não obstante, o fato de ele ter começado finalmente a afetar os negócios e a qualidade de vida dos barões do café o colocou entre as diretrizes do novo governo. Esse comportamento hipócrita ficou claro na declaração do prefeito Pereira Passou de que o Rio tem “ruas estreitas, sobrecarregadas de um tráfego intenso, sem ventilação bastante, sem árvores purificadoras e ladeadas de prédios anti-higiênicos”. Além disso, ironicamente, o medo de estrangeiros das condições pantanosas do Brasil se tornou um dos principais argumentos do Estado para promover a reforma.
                Finalmente, as pragas da cidade infestaram a redoma da elite. O novo presidente Francisco Rodrigues Alves precisará de toda sua experiência como Conselheiro Imperial, Ministro da Fazenda e Governador de São Paulo para conduzir a modernização de forma que beneficie igualmente todos os segmentos sociais.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Para começar

         Gente, eu encontrei muito material sobre a Revolta da Vacina naquele baú. Vou postar aqui o que eu achei mais interessante, mas, primeiro, queria falar sobre o que eu penso de tudo isso. A princípio, eu achava que os rebeldes eram apenas um grupo de pobres ignorantes lutando contra a sabedoria da vacina. Não foi preciso ler muito e essa ideia foi por água abaixo. Hoje, eu daria o maior apoio aos revolucionários se pudesse estar lá, isto é, aqui há quase 107 anos.


          Simpatizo muito com a causa dos rebeldes, em primeiro lugar, porque eles não se revoltaram apenas contra uma lei que estabelecia a vacinação obrigatória. Eles se rebelaram contra as péssimas condições de vida que tinham que suportar enquanto alguns poucos enriqueciam às suas custas – situação que não mudou tanto de lá para cá.

           Com o fim da escravidão e a imigração européia, a população carioca cresceu muito num curto período de tempo naquela época. Cresceu tanto que não tinha emprego para todo mundo. Nem emprego, nem moradia. Saneamento básico, então, era algo tão inusitado que a maioria nem sabia do que se tratava. A população de baixa renda se amontoava nos cortiços do centro e vivia de bicos – carregamento e descarregamento de navios, venda de bugigangas, serviços domésticos, roubos, prostituição. Diante desse cenário, é claro que a proliferação de doenças era enorme. E as doenças eram horríveis, matavam milhares de pessoas por ano.
         Para piorar um pouco, o presidente da época, Rodrigues Alves, decidiu “civilizar” o Rio de Janeiro, porque a fama de cidade nojenta e pestilenta já repelia os navios estrangeiros. Contratou então Pereira Passos como prefeito e Oswaldo Cruz como encarregado da saúde pública para resolver esses problemas. A principal medida de Pereira Passos foi um desastre para os moradores dos cortiços. Ele simplesmente demoliu várias construções velhas do centro – entre elas, quase todos os cortiços - para construir avenidas largas, novas ruas e praças, imitando a modernização de Paris. E os moradores dos cortiços? Foram despejados, expulsos, quase todos sem qualquer tipo de indenização, devido à falta de documentação. Passaram a viver em favelas, na periferia. De uma justiça ímpar, expulsar os pobres...
             Até aí, já havia motivos suficientes para dar um golpe de Estado e transformar toda a política e economia nacionais, e eu ainda nem cheguei ao suposto motivo da revolta. Ele foi, na verdade, mais para uma gota d’água. O que aconteceu foi o seguinte: para acabar com as epidemias da capital, Oswaldo Cruz tomou uma série de medidas aparentemente corretas. Fez o possível para erradicar os transmissores da peste bubônica e da febre amarela e promoveu a vacinação contra a varíola.
           O grande problema é que quase ninguém sabia disso e ele não fez questão alguma de explicar. As pessoas que eram mais afetadas por essas campanhas – os pobres – não tinham tido educação formal e não faziam a menor ideia do que era vacina ou agente transmissor. Mas ouviram falar que seriam infectados por doenças e que havia gente jogando veneno pelas ruas. O próprio fato de a vacinação ter sido obrigatória não é muito democrático: muitos liberais julgaram que a lei era uma medida contra os direitos individuais. Tratava-se ainda de uma sociedade muito mais conservadora que a atual, e a vacinação obrigatória podia significar mulheres sendo abordadas em casa, sozinhas, por homens para serem vacinadas nos braços ou pernas. Os pais e maridos não queriam sequer ouvir falar disso. Pode parecer uma bobagem hoje, mas é uma questão de costume e de época. Se por algum motivo fosse criada uma lei obrigando todas as mulheres a serem vistas nuas por funcionários do governo, aposto que não seria muito popular, mesmo atualmente.
         Além disso, Rodrigues Alves também não contava exatamente com estabilidade política à época. A oposição era forte, embora desorganizada, e viu na insatisfação popular à flor da pele uma oportunidade para dar um golpe de Estado. Era o caso, por exemplo, de um grupo de militares que queria tomar o poder. Por mais que nenhuma corrente da oposição tenha conseguido dar golpe algum, a instabilidade política também contribuiu para a revolta. Políticos financiaram revoltosos e jornais da oposição não paravam de ridicularizar a vacinação e Oswaldo Cruz.
          Assim, penso que a Revolta da Vacina foi um movimento popular com motivos justos. É uma pena que os rebeldes não tenham conseguido mais que a revogação da lei da vacina obrigatória. Se tivessem, quem sabe não teríamos hoje um país menos desigual, menos elitista e mais justo? Afinal de contas, o que os rebeldes queriam, no fundo, era o mesmo que a maioria das revoltas populares almeja pelo mundo: uma vida um pouco mais digna.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Tudo começou com um baú...

Meu avô ainda mora na casa do meu bisavô. Eu acreditava ter descoberto todos os quartos e tranqueiras preservados naquela antiga casa, mas vi que estava errada ao encontrar um baú gasto de madeira. Cartas e reportagens deixaram clara a luta de meu bisavô na Revolta da Vacina. Uma história tão empolgante que não deveria ser conhecida só por mim. Vou construir um túnel do tempo com os posts.
Uma volta ao passado para entender o presente.




Imagem de http://bau09.blogspot.com/2008/12/ba-atividade-tpica-de-caminheiros.html